segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Da vida passageira

Certa feita, ainda morava em São Chico, meu pai foi contemplado com um consórcio que ele tinha feito para comprar uma máquina de lavar que prestasse lá para casa. Saiu ele para resolver os trâmites e, quando voltou, carregava um videocassete nas mãos. Mas não era um videocassete comum, esse tinha 4 cabeças o que, para a época, era luxo. Obviamente que minha mãe ficou uma fera, mas aquilo mudou minha vida para sempre: virei um aficionado por cinema e eu era um frequente assíduo das vídeo locadoras que tinham em São Chico. Eram três, na época. Depois, foram minguando e sobrou a do Zé, amigo do meu Pai, que era um visionário: certo dia encerrou com as fitas cassete e transformou sua pecinha em locadora de DVD's. Não sei se meia dúzia de pessoas tinham os aparelhos em São Chico na época.

Pois viemos embora para Novo Hamburgo em 1996 (meu Pai um ano antes) e o velho e bom videocassete veio junto. Ainda haviam boas opções de locadora em NH para esse produto. Tinha uma perto de casam cujo nome eu não mais lembro, onde loquei o meu filme preferido na infância: The Big Green - Pisando na Bola. Olhei mais de trinta vezes e até hoje procuro este filme para comprar. Olharia hoje novamente nem que fosse só para matar a saudade. Por um tempo, tinha disponível no youtube, mas deixou de estar, fazer o que...

Só que chegou o dia que a tecnologia do DVD era irreversível; e lá fomos nós ao antigo Carrefour de Novo Hamburgo comprarmos um aparelho de DVD. Bahhh, foi um dia e tanto. Não era das marcas tradicionais, famosas, mas de uma vendida somente pela rede supermercadistas: Bluesky. Engraçado que ele funciona bem até hoje e guardo como relíquia, lá em São Chico. Não chegamos a cair na moda do Blu-ray, tampouco alguma vez tive um home theater. Nunca se precisou muito, afinal, para aproveitar o que tem de bom na vida.

Pois no ano de 2012 eu e a Mariana resolvemos juntar os trapos. Era isso ou não era mais, enfim, tudo na vida tem seu tempo. Estávamos numa fase final de faculdade e eu achava que era gastar dinheiro à toa pagando por uma tv a cabo. Decidi comprar um aparelho de DVD. Paguei menos de 100 pila e o tenho até hoje. Ele de vez encrenca e não mais o uso há pelo menos um ano, quando finalmente me rendi ao netflix. Mas no início ele era uma tábua se salvação. Fiz "ficha" em 3 locadoras: duas próximas de casa e uma no centro de NH, mais famosinha (fui lá uma única vez). Consegui aos poucos colocar em dia minha lista de filmes e isso era uma alegria. Em 2013, com a faculdade já concluída, me rendi à tv a cabo e diminuí a frequencia na locadora, sendo que uma até fechou logo depois.

Em 2014 rumamos à Sapiranga e antes mesmo da mudança a antena da Sky já estava na minha casa. Levei alguns meses para sentir falta de ir na locadora, criando a expectativa daquilo que poderia olhar no final de semana, quanto então localizei uma locadora em Sapiranga e reativei o meu aparelhinho de DVD. Na primeira fui poucas vezes, pois logo depois passeia frequentar mais outra, do meu amigo João (filho de São Chico), a que apelidei carinhosamente de Salaha, visto a  origem de sua família creio eu que no Líbano ou algo assim. Sua esposa, inclusive, muçulmana daquelas que usa véu e tudo. Ia com uma certa frequencia até que meu aparelho de DVD começou a travar, não queria mais despejar o DVD e eu passei a ficar receoso de utilizá-lo. Mas a cada vez que passava na frente da locadora do Salaha, prometia de entrar e locar alguns filmes no próximo final de semana.

Pois se passou um ano ou mais e não o fiz. Também não mais o farei.

Semana passada descobri que o Salaha cansou de dar murro em ponta de faca, contar os pilas para pagar as contas e desistiu. Já tem até uma placa de 'aluga-se' na sua última sala. A locadora fechou as portas. Podem até achar frescura ou exagero de minha parte, mas fiquei arrasado e me senti culpado, afinal, eu fui um dos tantos que abandonou o Salaha...

É claro que era a crônica da tragédia anunciada, afinal, as pessoas querem a comodidade de hoje em dia, de não precisar sair de casa para escolher e por aí vai. Esse é só mais um episódio efêmero da vida, que quase na sua totalidade tem início, meio e fim. A vida é passageira e o tempo é implacável.

Mas apesar de tudo, da vida mais fácil, eu sentirei falta de ir na locadora atrás de um bom filme, de alguma sugestão, de alguma novidade cinematográfica. Meu aparelinho de DVD segue lá em casa, a postos, o outro está em São Chico e meu Pai ainda guarda o videocassete 4 cabeças. Me chamem de saudosista, mas entendo que a saudade não é uma coisa que dá e passa.

Da vida passageira, as malas da saudade viajam sempre conosco.          

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