terça-feira, 8 de outubro de 2019

Lágrimas de saudade

Não sou adepto à teoria de que homem não chora. Chora quando tem que chorar ou quando consegue. Eu mesmo chorei (e não foi pouco) quando do infortúnio da minha prenda Mariana. Mas sou valente para demonstrar meus sentimentos, admito; embora sofra durante e muito mais depois. Vejam acerca do falecimento da Vovó (vó Neuza): ontem saindo do banho, de noite, lembrei dela e das tantas coisas boas que ela me proporcionou. Marejei os olhos. Confesso-lhes que escrevo agora da mesma forma. Mas, e a vida é cheia deles, não chorei sob o seu derradeiro leito. Assim como não fizera quando faleceu a Vozinha, o Vô Netto e o Vô Moysés.

Por conveniência, chamávamos todos os netos ela de Vovó. Talvez tenha partido de mim mesmo, para diferenciar ela e a Vó Frida. Engraçado é que com o passar dos anos peguei a mania do meu Pai e passei a chamar de Maria Frida. Mas Vovó ficou, para todos nós. Um jeito carinhoso de dirigir-se a ela, já que sempre nos tratou com todo o carinho. Era uma figura ímpar, aliás: nunca vi falar mal de ninguém e tampouco destratar que lhe destratava, embora essa gente siga merecendo. Só que não, era dum coração puro e invejável; coisa rara nos dias de agora.

Quando era mais guri ela e o Vovô moravam lá fora. Aliás, estar lá era a grande paixão da Vovó. Também, pudera. É o paraíso na terra. Víamos eles de quando em vez. Minha memória me trai muito as vezes, mas lembro de algumas passagens daquele tempo: primeiro, um dia que estávamos na casa do Gaqui (Maicon - preciso ao menos mais uma vez chamar ele assim, pois ele não era o Maicon naquela época, era o Gaqui!), que ainda morava no pátio da citral, quando ela chegou e entrou pela porta da frente. Foi uma surpresa já que ninguém entrava por aquela porta de regra. Tem foto e tudo daquele dia. Não era um dia relevante, mas aquilo foi especial para nós. Depois, da minha festinha de 8 anos quando, até o último momento, não se sabia se ela iria, até que eles apareceram e para mim foi uma festa. Por fim, daquele fogão a lenha lá de fora tapado de chaleiras e panelas cheias d'água, pois o Bruno tinha de tomar banho na banheira.

Aliás, as férias lá Fora eram inesquecíveis. Começava com o velho e bom camargo logo cedo, depois um café da manhã com ovo frito, queijo assado e por aí vai. Não faltavam regalias para nós. Depois íamos para a nossa campereada, que nada mais era que dar voltinhas no Tubiano pela mangueira. Partir para o rumo do campo era uma "ocasião" para nós. Era ela que encilhava o Tubiano para gente. Lembro dela me levar para "queimar campo" e ela que tentava me fazer dormir depois do almoço enquanto eu só queria conversar fiado. Quantas e quantas vezes ela dormiu comigo, com a vela acesa (sim, não tinha luz lá naquela época) porque eu tinha medo de dormir sozinho... Foi ela que nos ensinou a sapecar pinhão e que se negou a nos xingar quando quebramos diversos frascos dos remédios do gado pelo galpão. 

Ela mesmo quando braba conseguia ser carinhosa com a gente.

A Vovó partiu e eu não seria mesquinho de lamentar o seu descanso. Sofreu o que não merecia e nem precisava. Isso não quer dizer que a saudade não vai bater na minha porta a cada vez que eu passar na frente da sua casa em São Chico, ou quando eu tiver coragem de ir lá Fora novamente, ou quando eu lembrar de mais alguma passagem que agora me falta, ou então quando eu parar para pensar que mesmo a coisa mais difícil pode ser suplantada com ternura e carinho.

Sentirei falta dela dizendo que estava "mais ou menos" sempre que eu perguntava, ou dela falando dos terneirinhos que nasceram lá Fora, ou de qualquer coisa que lembrará da sua vida simples, sem muitos floreios.

E não há nada que molhe mais o rosto do que a dor da saudade.



Como dizia o Vovô, até outro dia Vovó!   

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