segunda-feira, 8 de junho de 2015

O Mate do Rodrigo, digo, do João Cardoso!

Se a memória não me trai, em 2004 o meu amigo Rodrigo de Bem Nunes nos sugeriu uma marca gaudéria para um trabalho de colégio: uma peça inspirada no conto “O mate do João Cardoso” do grande Simões Lopes Neto. E fizemos! Bons tempos. Não lembro bem se foi ele mesmo quem interpretou o João Cardoso ou foi o Pato (Jéferson). O Crioulo foi o Pinto (Jean) e eu fui o narrador, aos ouvidos atentos do Marcelo Dani que nem era da nossa turma, mas nos emprestou seu talento e gauchismo naquela ocasião. E você, caro leitor e cada leitora, já ouviu falar na estória do Mate do João Cardoso? Não? Uma pena!


Mas lhe darei uma força!



" O Mate do João Cardoso - Simões Lopes Neto

A la fresca! ... que demorou a tal fritada! Vancê reparou?

Quando nos apeamos era a pino do meio-dia... e são três horas, largas! ... Cá pra mim esta gente esperou que as franguinhas se pusessem galinhas e depois botassem, para depois apanharem os ovos e só então bater esta fritada encantada, que vai nos atrasar a troteada, obra de duas léguas... de beiço!...

Isto até faz-me lembrar um caso... Vancê nunca ouviu falar do João Cardoso? ... Não? É pena!

O João Cardoso era um sujeito que vivia por aqueles meios do Passo da Maria Gomes; bom velho, muito estimado, mas chalrador como trinta e que dava um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de novidades.

Também... naquele tempo não havia jornais, e o que se ouvia e se contava ia de boca em boca, de ouvido para ouvido. Eu, o primeiro jornal que vi na minha vida foi em Pelotas mesmo, aí por 1851.

Pois, como dizia: não passava andante pela porta ou mais longe ou mais distante, que o velho João Cardoso não chamasse, risonho, e renitente como mosca de ramada; e aí no mais já enxotava a cachorrada, e puxando o pito de detrás da orelha, pigarreava e dizia:

- Olál amigo apeie-se; descanse um pouco. Venha tomar um amargo! É um instantinho... crioulo?!...

O andante, agradecido à sorte, aceitava... menos algum ressabiado, já se vê.

- Então que há de novo? (E para dentro de casa, com uma voz de trovão, ordenava:) Oh! Crioulo! Traz mate!

E já se botava na conversa, falava, indagava, pedia as novas, dava as que sabia; ria-se, metia opiniões, aprovava umas cousas, ficava buzina com outras...

E o tempo ia passando. O andante olhava para o cavalo, que já tinha refrescado; olhava para o sol que subia ou descambava... e mexia o corpo para levantar-se.

- Bueno! são horas, seu João Cardoso; vou marchando! ...
- Espere, homem! É um instantinho... Oh! crioulo, olha esse mate!

E retomava a chalra. Nisto o crioulo já calejado e sabido, chegava-se-lhe manhoso e cochichava-lhe no ouvido: - Senhor., não tem mais ervas...
- Traz dessa mesma! Não demores, crioulo!.

E o tempo ia correndo, como água de sanga cheia.

Outra vez o andante se aprumava:

- Seu João Cardoso, vou-me tocando... Passe bem! - Espera, homem de Deus! É enquanto a galinha lambe a orelha! ... Oh! Crioulo! ... olha esse mate, diabo!

E outra vez o negro, no ouvido dele:

- Mas, Senhor ... não tem mais ervas!

- Traz dessa mesma, bandalho!

E o carvão sumia-se largando sobre o paisano uma riscada do branco dos olhos, como escarnicando...

Por fim o andante não aguentava mais e parava patrulha:

- Passe bem, seu João Cardoso! Agora vou mesmo. Até a vista!

-Ora, patrício, espere! Oh crioulo, olha o mate!



- Não! não mande vir, obrigado! Pra volta!

- Pois sim... porém dói-me que você se vá sem querer tomar um amargo neste rancho. É um instantinho... oh! Crioulo!

Porém o outro já dava de rédea, resolvido à retirada.

E o velho João Cardoso acompanhava-o até a beira da estrada e ainda teimava:

- Quando passar, apeie-se! O chimarrão, aqui, nunca se corta, está sempre pronto! Boa viagem! Se quer esperar... olhe que é um instantinho... Oh! crioulo !...

Mas o embuçalado já tocava a trote largo.

Os mates do João Cardoso criaram fama... A gente daquele tempo, até, quando queria dizer que uma cousa era tardia, demorada, maçante, embrulhona, dizia está como o mate do João Cardoso!

A verdade é que em muita casa e por muitos motivos, ainda às vezes parece-me escutar o João Cardoso, velho de guerra, repetir ao seu crioulo:

- Traz dessa mesma, diabo, que aqui o Senhor tem pressa!...”


***

Pois sabe vivente, que cada vez que o Nobre Amigo Rodrigo de Bem Nunes me diz que tem um texto quase pronto por me mandar (o último foi em março!) eu me lembro do João Cardoso. É... os mates do João Cardoso criaram fama...


Será que os textos do Rodrigão também criarão? Hahahahaha.

Abraço especial aos amigos Jean, Marcelo, Jéferson e ao Rodrigo, é claro.

Boa semana a todos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom amigo Bruno. Conheço a estória ou história, seja lá como for.Tenho as obras
Lendas do Sul e Contos Gauchescos do referido autor J.S.Lopes Neto. Cutuca o cara que
promete e promete aí, que eu dou uma cutucada daqui. Não podemos se entregar pro homem.
Uma coisa e certa, lá ele não tem uma crioula para alcançar o not book, e sim uma loira. rsrsrrs
Abração