sexta-feira, 6 de março de 2015

Ruminando a dor

Atordoado, como referi no último texto, a forma que fiquei quando soube da morte de José Rico. Como um admirador da boa música, não tenho dúvidas que na música brasileira se abre uma lacuna, daquelas fendas que não se fecham jamais. Denota-se quando uma perda é irreparável quando todos, sem exceção, vêm a público lamentar. No caso do Zé Rico, músicos de todas as gerações e gêneros reconheceram sua importância e a dor da perda. 

Com propriedade, o grande amigo e meu primo, Antônio Dutra Júnior, um mago das palavras - como bem já defini preteritamente,  escreve e descreve este momento com sensibilidade e sapiência, em sua coluna na revista Generation, sendo que pedi permissão, concedida, para republicar seu artigo:


"Quando acordei não te vi que desespero!

Morreu o Zé Rico. Recebi a notícia durante a tarde, na aula de produção e manejo de ruminantes e, não por acaso, passei o resto do dia ruminando uma dor diferente. Não era parente, amigo, conhecido, ou mesmo um ídolo. Em toda a minha vida, nunca fui de ser fã enlouquecido de nenhum artista em especial. Minha admiração sempre foi pela música sertaneja, pela gauchesca, pelo talento popular brasileiro, pelo que toca a minha alma, não importando ser brega, velho, tido como ridículo por outrem.

Hoje, em especial, a música sertaneja emudeceu. Morreu uma voz, talvez uma das que mais traduzia a essência do que é o sertanejo como um todo. Quem nunca ouviu pelo menos uma canção sua? Zé Rico era extravagante, excelente músico e pendia muito para o lado choroso e sofrido do gênero. Em resumo, concentrava em seu estilo uma miscelânea adorável do tipo de música que divide tantas opiniões.

Imagine aquele sujeito bonachão, cheio de correntes e anéis grossos adornando os dedos, os óculos escuros inconfundíveis, a barba pra lá de cafona, cabelinho anos 70 e camisa floreada. Que figurino! Rapaz, para andar assim em pleno século XXI é preciso ter muita personalidade. Mas, em sã consciência, quem somos nós senão criaturas enjauladas, prisioneiros de um estilo de vida dito normal, mas loucos para sair gritando pela rua “vá pro inferno com seu amor”? Zé Rico nos representava nessas horas.

E o sofrimento, ah, esse entrega o cristão nas horas mais propícias. Já vi muito sujeito alegar ojeriza das composições sertanejas, que tanto enfatizam a dor de amor, de cotovelo, de corno, seja lá qual for a definição, cantar de olhos cerrados abraçando um copo uma moda daquelas de rasgar o peito ao meio. Um sujeito abichornado n’alguma mesa de bar chorando a agrura de amar e não ser amado; ou pior, ter sido traído. O garganta de ouro Zé Rico traduzia com maestria o tamanho dessa dor ao dizer “esta noite eu dormi um pouquinho, sonhei com você”.

“Com a morte do companheiro, a saudade vai chegar. Aqueles bons e velhos tempos nunca mais irão voltar”. O destino é cruel e traiçoeiro, foi assim com os caminhoneiros da canção, é assim agora com Milionário e José Rico, dupla de nome característico do meio sertanejo, com suas junções óbvias e ao mesmo tempo inimagináveis. É piegas, é batido, sim, é tudo isso que criticam, mas embala a vida de muita gente. A música sertaneja não tem o mesmo glamour de outros gêneros, mas carrega consigo uma legião de fãs justamente por contemplar o simples e não esconder o orgulho de ser matuto, simples, humano.

Lamento profundamente a morte deste ícone, o silêncio de uma das vozes mais inconfundíveis e marcantes do clã sertanejo. Zé Rico levava às mãos ao ouvido enquanto cantava, puxava os erres e entortava a boca como ninguém jamais fará. Alcançava tons extraterrestres e obrigava todos nós, pobres mortais, a baixarmos dois ou três tons nas cifras para podermos celebrar suas músicas nas rodas informais de viola. Ou então, já embalados em alta madrugada, a esganiçarmos as gargantas ignorando a afinação e mantendo apenas o sofrimento em uníssono.

Nossas vistas se escureceram e o final da corrida chegou. De repente, em menos de minuto, você se transformou num vulto e logo desapareceu. Minhas lágrimas molharam a fronha do meu travesseiro. O legado é extenso e conhecido de norte a sul. Minha reverência a este artista marcante que compõe a trilha sonora de seus admiradores eternamente. Morre o Zé Rico, mas quem empobrece somos nós.

Por Antônio Dutra Jr. - Revista Generation, 04/03/2015"

***
Bom final de semana a todos.

2 comentários:

Antônio Dutra Jr. disse...

Reitero a honra que sinto em contribuir para este blog que valoriza o que há de bom na vida. Pena que tenha sido pela partida de um artista tão talentoso e marcante. Sempre à disposição, meu caro amigo! Forte abraço!

Anônimo disse...

Bom e muito pouco para o texto. Escrever assim não e para qualquer um. Eu tive o privilégio de assistir a dupla trinta e cinco anos atrás no município de Dois Irmãos. Lembro ele cantando uma música chamada Homem, o cara alcançava um tom altíssimo que mesmo para quem não gostasse de musica sertaneja era obrigado a aplaudir. Abraço.
Aristeu Nunes