quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Bochincho

Ontem ao voltar para casa após a faculdade, fui repassando as estações de rádio salvas no aparelho do meu carro até que me deparei com o já finado, mas nunca esquecido Jaime Caetano Braum declamando a sua poesia mais celebre: Bochincho. De pronto me veio à tona os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro e cheguei a conclusão que o título da obra vinha a calhar. Num contraponto, nada melhor que abrir o derradeiro mês de dezembro, no já quase findo ano fatídico de dois mil e dez, com as palavras do maior pajeador que já se conheceu pelos campos deste mundo afora. Esta, é dedicada aos amigos e amigas que jamais deixaram de acompanhar este blog:

Bochincho

A um bochincho certa feita
fui chegando de curioso
porque o vício é que nem sarnoso
nunca para nem se ajeita
baile de gente direita
de pronto eu vi que não era
na noite de primavera
gaguejava a voz de um tango
e eu sou louco por fandango
que nem pinto por quirera

Atei meu zaino longito
num galho de guamirim
desde guri sou assim
não brinco, não facilito
em bruxas não acredito
pero que las hay, las hay
sou da costa do Uruguai
meu velho pago querido
e por andar desprevinido
a tanto guri sem pai

Num rancho de Santa Fé
de pau-a-pique cravado
num trancão de convidado
me entreverei no banzé
chinaredo a bola-pé
um ambiente fumacento
e um cadeeiro bem no centro
num lusco-fusco de aurora
pra quem chevava de fora
pouco enchergava lá dentro

Dei de mão numa pinguancha
que me cruzou do costado
e já sai entreverado
entre a poiera e a fumaça
oigalê china lindaça
morena de toda crina
dessas da venta brasina
com cheiro de lechiguana
que quando ergue uma pestanha
até a noite se ilumina

Misto de biaba e de santa
com ares de quem é dona
e um gosto de temporona
que trás água na garganta
eu me agarrei na percantao
mesmo que um carrapato
e o gaiteiro era um mulato
que até dormindo tocava
e a gaita choramingava
que nem namoro de gato

E a gaita velha gemia
às vezes quase parava
de repente se acordava
e num vanerão se perdia
e eu contra a pele macia
daquele corpo moreno
sentia o mundo pequeno
bombeando cheio de enlevo
dois olhos flores de trevo
com respingos de sereno

Mas o que é bom se termina
cumpriu-se o velho ditado
eu que dançava enbalado
nos braços doces da china
escutei de relancina
uma espécie de relincho
era o dono do bochincho
meio oitavado num canto
que me olhava num canto
mais sério do que um capincho

E foi ele que se veio
pois era dele a pinguancha
bufando e abrindo cancha
que nem touro de rodeio
quiz me partir pelo meio
num talonaço de adaga
que se me pega me estraga
chegou a levantar um cisco
mas não é atoa chumisco
que sou de São Luís Gonzaga

Tenho visto coisa feia
tenho visto judiaria
mas ainda hoje me arrepia
lembrar daquela peleia
talvez quem ouça não creia
mas vi brotar no pescoço
do índio do berro grosso
como uma cinta vermelha
que desde o beiço até orelha
ficou relampiando o osso

O índio era um índio touro
mas até touro se ajoelhac
ortado do beiço à orelha
amontoou-se como um couro
e aquilo foi um estouro
daqueles que dava medo
espantou-se o chinaredo
e aquilo foi uma zoada
parecia até uma eguada
disparando num varzedo

E é china que se escabela
redemunhando na porta
e chiru de guampa torta
que vai direito a janela
num grito de toda goela
num berreiro alucinante
e índio que não se garante
vendo sangue se apavora
e se manda porta a foral
evando tudo por diante

E a coisa ia meio assim
balanceei a situação
já quase sem munição
e todos atirando em mim
qual ia ser o meu fim
me dei conta de repente
não vou ficar de semente
mas gosto de andar no mundo
me esperavam na dos fundos
eu sai na porta da frente

E dali ganhei o matoa
baixo de tiroteio
e ainda escutava o floreio
da cordiona do mulato
e pra encurtar o relato
me bandeei pro outro lado
cruzei o Uruguai a nado
pois meu zaino era um capincho
e a história desse bochincho
faz parte do meu passado

E a china?
Essa pergunta me é feita
cada vez que eu declamo
e é uma coisa que eu reclamo
e acho que não é direita
acho até uma disfeita
e entender nem consigo
eu no medonho perigo
de uma situação brasina
todos perguntam da china
e ninguém se importa comigo

A china eu nunca mais vi
no meu gauderiar andejo
talvez em sonho a veja
num bárbaro frenesi
talvez ande por aí
no rodeio das alçadas
ou talvez na madrugada
seja uma estrela chirua
dessas que se banha nua
no espelho das aguadas.

_
Abraço a todos.

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