terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Tempos Dourados: O Saudosismo e a Amargura

No livro “Noites Brancas” de Dostoiévski, há uma passagem em que a avó de Nastenka, protagonista da obra, diz que o leite já não era mais o mesmo e que azedava muito depressa, ao contrário do leite fervido em outras épocas. O livro é de 1848. Ou seja, para velhinha da obra, leite bom mesmo só no fim da idade média. Nesta breve passagem, o livro mostra algo que sempre me incomodou; o saudosismo exagerado, um fenômeno universal e atemporal, onde costumamos achar que antigamente tudo era melhor. O passado ganha o verniz da saudade e se transforma nos tempos dourados.

Admito que sou um pouco saudosista. Adoro falar de histórias da infância, da copa de 1994 e dos tempos em que o leite não azedava tão cedo. Mas isso não faz minha época ser melhor. Quando criança, ouvia exaustivamente dos “grandes” que infância boa mesmo tinha sido a deles onde os brinquedos tinham de ser feitos com bolas de meia, sabugos de milho e latas de ervilha. Facilidades como a minha bola de couro sintético, vídeo-games como o meu super-nintendo e programas de TV como Jaspion sequer existiam... Hoje, não raro, vejo a minha geração de vinte e poucos anos com ar de superioridade dizendo que infância de verdade era aquela em que se podia brincar de bola (de couro sintético) e jogar Mário no velho e bom super-nintendo logo depois de assistir Jaspion na rede Manchete. E a coisa se aprofunda; não faz muito, um garoto de uns 12 anos postou no Face: “As crianças de hoje nunca saberão o que era acordar cedo para assistir TV Globinho”.

O saudosismo é bom, eu mesmo sou um saudosista, mas seu exagero acarreta em amargura. A criança que escuta de um adulto que sua infância não é infância de verdade, crescerá com uma leve recalque que um dia será transmitido ao primeiro piá que passar. E o ciclo se perpetua.


Imagino o mundo daqui a 20 anos, onde os saudosistas dirão que infância boa mesmo era aquela de 2014, em que se jogava FIFA no Playstation 4 como uma criança normal, e não com robôs humanoides em estádios holográficos sem graça.


Por Rodrigo de Bem Nunes

2 comentários:

Cátia M. S. Nunes disse...

Hehehe... Muito bom!!

Antônio Dutra Jr. disse...

Meu caro Rodrigo, concordo em partes contigo. O saudosismo exagerado, arraigado e cego realmente impede que enxerguemos o que há de bom agora. Em contrapartida, saudosista que sou, atrevo-me a tecer a tese de que o saudosismo perpetua o que é bom! Afinal, se relembramos o que nos fazia bem, naturalmente estamos mantendo certas tradições e levando adiante o legado de nossa infância. O problema - e aí fecho contigo na parte do recalque - é quando a pessoa fica relembrando as coisas boas e ruins dos tempos de outrora. Aí é pra azedar qualquer leite mesmo...

Abraço!

PS: Venho seguindo tua contribuição para o blog do Bruno e preciso dizer que foi uma iniciativa elogiável do meu primo. Parabéns aos envolvidos!